Carta aberta ao primeiro-ministro José Sócrates
por João Miguel Tavares
Diário de Notícias, 2009-11-10
Excelentíssimo senhor primeiro-ministro:
Sensibilizado com o que tudo indica ser mais uma triste confusão envolvendo o senhor e o seu grande amigo Armando Vara, venho desde já solidarizar-me com a sua pessoa, vítima de uma nova e terrível injustiça.
Quererem agora pô-lo numa telemovela - perdoe-me o neologismo - digna do horário nobre da TVI é mais um sintoma do atraso a que chegámos e da falta de atenção das pessoas para as palavras que tão sabiamente proferiu aquando do último congresso do PS: "Em democracia, quem governa é quem o povo escolhe, e não um qualquer director de jornal ou uma qualquer estação de televisão."
O senhor acabou de ser reeleito, o tal director de jornal já se foi embora, a referida estação de televisão mudou de gerência, e mesmo assim continuam a importuná-lo. Que vergonha.
Embora no momento em que escrevo estas linhas não sejam ainda claros todos os contornos das suas amigáveis conversas, parece-me desde já evidente que este caso só pode estar baseado num enorme mal-entendido, provocado pelo facto de o senhor ter a infelicidade de estar para as trapalhadas como o pólen para as abelhas - há aí uma química azarada que não se explica.
Os meses passam, as legislaturas sucedem-se, os primos revezam-se e o senhor engenheiro continua a ser alvo de campanhas negras, cabalas, urdiduras e toda a espécie de maldades que podem ser orquestradas contra um primeiro-ministro. Nem um mineiro de carvão tem tanto negrume à sua volta.
Depois da licenciatura na Independente, depois dos projectos de engenharia da Guarda, depois do caso da rasura no seu cartão de deputado com o ser ou não ser engenheiro, depois do apartamento da Rua Braamcamp, depois do processo Cova da Beira, depois do caso Freeport, depois do caso dos contentores de Alcântara, eis que a "Face Oculta", essa investigação com nome de bar de alterne, tinha de vir incomodar uma pessoa tão ocupada.
Jesus Cristo nas mãos dos romanos foi mais poupado do que o senhor engenheiro tem sido pela joint venture investigação criminal/comunicação social. Uma infâmia.
Mas eu não tenho a menor dúvida, senhor engenheiro, de que vossa excelência é uma pessoa tão impoluta como as águas do Tejo, tirando aquela parte onde desagua o Trancão. E não duvido por um momento que aquilo que mais deseja é o bem do País.
É isso que Portugal teima em não perceber: quando uma pessoa quer o melhor para o País e está simultaneamente convencida de que ela própria é a melhor coisa que o País tem, é natural que haja um certo entusiasmo na resolução de problemas, incluindo um ou outro que possa sair fora da sua alçada.
Desde quando o excesso de voluntarismo é pecado? Mas eu estou consigo, caro senhor engenheiro. E, com alguma sorte, o procurador-geral da República também.
Atentamente, JMT.
jst
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
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1 comentário:
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